terça-feira, 1 de setembro de 2015

O projeto.

E hoje vou começar a postar sobre algo que, ironicamente, acho dificílimo de escrever sobre. Meu projeto de pesquisa.
Isso mesmo! É difícil escrever sobre o que vou estudar nos próximos quatro anos.

- Mas... você não teve que escrever um projeto pra ganhar essa bolsa de doutorado, incluindo uma versão em inglês e tudo?

Tive sim, mas uma coisa é escrever praticamente no automático seguindo o roteirinho científico ou o roteirinho me-ajuda-por-favor pra pedir financiamentos... outra coisa é escrever no meu blog, onde eu escrevo do meu jeito... hm... natural e relaxado de ser. J
Mas acho importantíssimo escrever aqui o que afinal eu vou fazer por todo este tempo com o apoio de tantas fontes financeiras nacionais e internacionais (cof cof.. leve exagero), para que quem entre aqui tenha ao menos uma ideia, né?
A historinha é a seguinte. No meu mestrado, eu fiz um trabalho lindo do qual sou mega-orgulhosa, porque fui teimosa determinada pra caramba em escolher e seguir em frente com um tema com o qual eu não tinha grande familiaridade, e ainda por cima não saberia se conseguiria juntar dados suficientes pra responder minhas perguntas. Mas era tipo um sonho, desde que comecei a ler alguns artigos na graduação, estudar sobre o parentesco entre os animais, relacionando isso com suas interações sociais e sua organização no espaço. E eu fui firme na decisão, e aos pouquinhos, juntando uma amostra aqui uma amostra ali, e passando muitas noites congelando no campo, batendo cabeça pra aprender mais sobre genética e análises de parentesco, lutando com programas de SIG e estatística, o trabalho saiu e ficou lindo, já tá publicado em revista boa e todo mundo elogiou (ganhei até prêmiozinho, gente ^_^).
Depois fui ser “pesquisadora de ariranhas” J e seguir por um caminho bem diferente, mas essa história de misturar genética, ecologia e conservação nunca deixou de me interessar! E durante o tempo que passei na Amazônia, fui pensando em várias possíveis ideias e perguntas nesse contexto que eu pudesse trabalhar ali ( a floresta inspira, e muito!) .  Até que ano passado, tomei a decisão de voltar pra vida acadêmica – vide post anterior (poxa, ela deve gostar de sofrer né?); e finalmente pus no papel minhas ideias e achei um orientador que é “o cara” nessa área e se interessou por elas.
Então, tirando fora meus gostos e interesses pessoais – que existem né, não posso ser hipócrita! – minha “missão” geral nesse projeto é contribuir um pouquinho mais no conhecimento de como estão atualmente nossas populações de ariranhas e lontras no meio da amazônia brasileira – usando as duas como um caso de estudo cujos resultados podem servir para “dar uma luz” acerca de outras espécies de vertebrados que vivam pelos rios da bacia amazônica, servir como base para medidas de gestão/conservação de espécies de água doce, planejamento de unidades de conservação e tal.
Estas duas criaturinhas, além de serem bichinhos muito fofos que eu amo de paixão, são importantes elementos da cadeia alimentar, já que são predadoras – estão no topo da cadeia, comem principalmente peixes – e sua presença é considerada importante para o equilíbrio dos escossistemas aquáticos. Fora isso, convenhamos, quem é que não gosta da idéia de saber que existem estes bichos incríveis saracoteando por aí, nos nossos rios lindos brasileiros? Devia ser motivo de orgulho nacional.

Obs: essa não é nenhuma das minhas duas espécies de estudo, mas achei o vídeo engraçado e elas são todas parecidas. Rsrs

Enfim, voltando ao assunto.. a Amazônia é um local muito inóspito e difícil de se trabalhar. E todos já sabemos do tanto de ameaças as quais esse bioma está sujeito. Contudo ele ainda é um importante “refúgio” para as ariranhas, lontras e muitas muitas outras espécies. As ariranhas, em particular, são bichos que foram quase dizimados no passado devido ao comércio de suas peles. Antigamente, elas podiam ser encontradas até na Mata Atlântica (quando a pobre coitada também não era devastada).. hoje em dia o que sobrou delas têm conseguido se recuperar justamente no Pantanal e na Floresta Amazônica, que pelas suas maiores dimensões, abriga uma parcela importante de populações da espécie – e para que ela continue a se recuperar nesse mundo louco, temos que avaliar como estão as populações e ser realistas para tentar avaliar como elas poderão lidar e se dar bem (ou não) com as inevitáveis transformações do habitat causadas pelo nosso infeliz “progresso”. A genética de populações é uma grande aliada nessa missão! Mas como falei, a Amazônia é inóspita e há muito pouca informação sobre a diversidade genética desses bichinhos por lá. Meu desafio  (de novo!!! porque eu só invento coisa difícil?!) vai ser juntar muitas amostrinhas de diferentes locais da bacia amazônia para tentar ter um panorama da situação. Ver como as populações estão conectadas, e daí ter uma noção de como os bichos dispersam; ver se a caça causou alguma perda de diversidade genética nas ariranhas (pouca diversidade é ruim na natureza...  lembram da história de casamento entre parentes? Pois é...); comparar as diferenças entre lontras e ariranhas, pois elas têm diferentes padrões de socialidade e isso pode influenciar e muito nos padrões e estrutura genética.. enfim.. se eu começar a detalhar muito, não consigo manter uma linguagem simples LTenho que me treinar mais.
Isso pra dizer em poucas palavras, mas é claro que o projeto vai envolver muito mais coisa. Coisas que eu ainda nem entendo direito, aliás! Para isso vou para a Inglaterra, aprender... rsrs. Mas acho que já consegui transmitir um pouquinho do que será esse peso nas costas desafio com o qual quebrarei a cabeça pelos próximos tempos em nome da conservação da nossa linda natureza.
E pra quem não vê ainda muito motivo ou acha esquisito essa história de conservar e ser “defensor da natureza”, eu adoro recomendar esse textinho aqui http://www.oeco.org.br/fernando-fernandez/19894-por-que-conservar-a-natureza-afinal/. E podem assistir Dersu Uzala, esse filme é muito bom mesmo!